Deixem-me perguntar apenas uma coisa: vocês receberam o Espírito porque obedeceram à lei ou porque creram na mensagem que ouviram? Será que perderam o juízo? Tendo começado no Espírito, por que agora procuram tornar-se perfeitos por seus próprios esforços? Gálatas 3:2,3
Introdução
Este domingo, 09 de julho de 2023, ficará marcado para sempre no meu coração. Pela primeira vez desde a plantação da Igreja Pentecostal Reformada, será a primeira vez que dedicaremos uma série de oito reflexões para falarmos a respeito daquilo que entendemos ser o pentecostalismo reformado, a convergência de tradições que deu origem a nossa igreja local.
Entendo que será uma série desafiadora e divisiva, que exigirá de nós humildade e honestidade com a Palavra de Deus.
Obviamente, oito domingos não serão suficientes para esgotarmos o tema. Mas certamente essa jornada nos colocará na rota necessária para reformarmos a nossa compreensão sobre a Pessoa, a obra e a experiência com o Espírito Santo.
Além disso, espero que essa série nos ajude a entendermos nossa vocação de:
sermos uma igreja que historicamente celebra o retorno às Escrituras obtido pela reforma protestante, através do ministério de Lutero e João Calvino;
sermos também uma igreja com uma profunda experiência com o Espírito que moveu grande vultos de nossa fé, como John Wesley, Moody, Jonathan Edwards e William Seymour, um pastor negro batista que, cheio do Espírito, iniciou um movimento que levou o nome de Jesus Cristo aos quatro cantos da terra.
Que Deus nos ajude nessa jornada! Apertem os cintos!
REDEFINIR O SIGNIFICADO DE PENTECOSTALISMO
O ponto de partida nessa reflexão é redefinir o significado da expressão "pentecostal" ou "pentecostalismo". Alguns de nossos irmãos vieram de igrejas que, embora se identifiquem como pentecostais, eram na verdade ou "neopentecostais" ou movimentos contraditórios.
A maior parte de vocês não conheceu uma verdadeira igreja pentecostal, porque são pouquíssimas as denominações que ainda preservam as características dessa tradição em solo brasileiro.
Vou começar afirmando o que não é pentecostalismo ou o que não significa ser pentecostal:
Pentecostalismo não é falar em línguas estranhas;
Pentecostalismo não é 'revelações' ou 'profecias';
Pentecostalismo não é 'rétété';
Pentecostalismo não é movimento ou esquisitices;
Pentecostalismo não é ditadura de usos e costumes;
Historicamente, o pentecostalismo é um braço recente do protestantismo, composto por igrejas que entenderam que, à luz das Escrituras, todos os dons espirituais registrados no Novo Testamento permanecem disponíveis em toda a era da igreja.
Nos primórdios do movimento, as cristãos que se identificavam como 'pentecostais' observavam, biblicamente, que o Espírito Santo foi derramado sobre a igreja não apenas com o intuito de operar no povo de Deus o novo nascimento e a santificação, mas também para capacitá-lo a pregar o evangelho com poder.
Alguns chamavam essa segunda experiência com o Espírito de "batismo", outros optavam pela terminologia bíblica "ser cheio do Espírito".
O pentecostalismo original era movido pela pregação do evangelho pleno: anunciavam o perdão dos pecados pela fé em Jesus e proclamavam a virtude do Espírito como a fonte que manteria a igreja totalmente missional e separada do mundo para o uso de Deus.
Mas eu lhes afirmo que é para o bem de vocês que eu vou. Se eu não for, o Conselheiro não virá para vocês; mas se eu for, eu o enviarei. Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. João 16:7,8
As maiores representantes do pentecostalismo original foram a Igreja de Deus em Cristo norte-americana e as Assembleias de Deus no Brasil.
A igreja norte-americana ainda preserva um pouco de suas raízes, sendo que as assembleias de Deus brasileiras, em sua maior parte, já se tornaram igrejas neopentecostais, que pouco falam sobre salvação, perdão de pecados e santificação (temas centrais o evangelho) e se concentram ou em usos e costumou ou em curas, milagres e movimentos esquisitos.
Como ex-membro do movimento pentecostal brasileiro, sou uma testemunha dos graves desvios teológicos que acontecem em suas reuniões (e que fique claro que, nesse ponto, não estou falando de calvinismo / arminianismo).
Foi o estudo sistemático da Escritura, em uma escola teológica pentecostal, que me direcionou a conhecer melhor não apenas a doutrina cristã mas também a própria história da igreja, o que inevitavelmente motivou-me a iniciar a plantação da Igreja Pentecostal Reformada. O meu desejo era resgatar a doutrina bíblica pregada pela reforma protestante sem perder o dinamismo do mover do Espírito Santo.
Pentecostalismo e o dom de línguas
É importante ressaltarmos que entre os primeiros pentecostais, não havia consenso a respeito de existir ou não uma evidência física que sinalizasse que uma pessoa havia sido cheia do Espírito.
O primeiro informativo pentecostal, chamado de "Fé Apostólica", não tratava o falar em línguas como uma evidência inicial absoluta. O próprio William Seymour, pastor batista considerado o 'pai' do pentecostalismo moderno, abandonou ao longo do seu ministério essa tese, compreendendo que o falar em línguas era apenas uma das manifestações possíveis de quando o Espírito era derramado.
Reuben Torrey, um importante evangelista e um dos precursores do pentecostalismo também defendia que o chamado "batismo no Espírito" era poder para servir e testemunhar sobre Jesus Cristo, sem vinculá-lo a uma experiência inicial.
Foi Charles F. Parham (1873-1929), professor de Seymour no seminário, quem primeiro formulou uma clara “doutrina da evidência inicial", que acabou se tornando oficial no movimento. Foi nesse ponto que muitos pentecostais passaram a considerar o falar em línguas como algo de extrema importância, sendo até hoje percebido por alguns como o 'sinal absoluto' da presença de Deus na vida de uma pessoa.
Falaremos mais sobre esse assunto no futuro. Biblicamente, a evidência de uma vida cheia do Espírito não é o falar em línguas, mas uma vida de profunda santidade e comunhão com Cristo, demonstrada pela proclamação ousada e poderosa do evangelho.
O PENTECOSTALISMO E UMA LEITURA ALTERNATIVA DE ATOS 2
O livro de Atos é a carta magna do pentecostalismo, sendo o seu segundo capítulo a base que sistematiza a sua doutrina de um "batismo no Espírito Santo com evidência do falar em outras línguas".
Uma leitura atenta desse capítulo e do seu contexto certamente nos levará a uma outra percepção do que de fato as Escrituras estão comunicando.
Pouco antes de voltar ao céu, Jesus reuniu os seus discípulos e ordenou que eles permanecessem em Jerusalém, até que do alto fossem revestidos de poder.
"Agora, envio a vocês a promessa de meu Pai. Mas fiquem na cidade até que sejam revestidos do poder do céu". Lucas 24:49
Jesus não estava falando a respeito da obra do Espírito na salvação do pecador ou em seu novo nascimento. À luz do que lemos nas Escrituras, os discípulos já haviam nascido de novo.
E, havendo dito isto, assoprou sobre eles e disse-lhes: Recebei o Espírito Santo. João 20:22
John Piper, um preeminente pastor reformado, afirmou o seguinte sobre esse texto:
"O poder prometido por Jesus em Atos 1:8 e Lucas 24:49 é um poder extraordinário. A experiência prometida está além do poder que o Espírito Santo derrama para o novo nascimento e do poder que possibilita a santificação gradual do cristão. Isso é fácil de entender a partir dos termos "sereis revestidos de poder" ou "recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós", e pelos efeitos desse poder, que podem ser visto no livro de Atos, além do fato de que os discípulos já haviam nascido de novo antes de Pentecostes (Lucas 10:20, João 15:3)".
O objetivo desse revestimento de poder é a evangelização dos povos. Não era poder para fazer dancinhas exóticas, correr, sapatear ou mesmo falar em línguas.
Primordialmente, a promessa do revestimento do Espírito é focada na evangelização mundial. É o que está escrito na Bíblia.
Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra. Atos 1:8
Confiando na promessa de Cristo, os discípulos permaneceram unidos no cenáculo, em oração (At 1.14). Jesus havia prometido enviar o Espírito para que os discípulos não ficassem orfãos (Jo 14.16).
Disse também que a promessa do Pai viria sobre eles, aludindo à profecia de Joel que preparava o povo de Deus para a Nova Aliança, onde a efusão do Espírito atingiria toda carne (Jl 2.28).
E, cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos concordemente no mesmo lugar; Atos 2:1
A promessa aconteceu no dia de pentecostes (por isso o nome 'pentecostal'). A festa de pentecostes era uma das três festas judaicas instituidas por Deus, chamada também de festa da colheita, que acontecia 50 dias após a páscoa.
A escolha da data foi certeira: a vinda do Espírito aconteceu para selar a primeira colheita de almas da era da igreja. A obra do Espírito não diz respeito a produzir sensações nos crentes, mas em levar a cabo o plano da redenção.
E de repente veio do céu um som, como de um vento veemente e impetuoso, e encheu toda a casa em que estavam assentados. E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles. Atos 2:2,3
Você percebe no texto a expressão "de repente"? A descida do Espírito com poder não aconteceu porque os discípulos marcaram uma 'semana de avivamento' ou uma 'campanha de vitória'. Ela ocorreu porque Deus determinou soberanamente, e isso foi 'de repente'.
O Deus Soberano é assim, Ele sopra onde quer e quando quer! Nós oramos, nós obedecemos, nós seguimos fielmente a Cristo, mas o Espírito é derramado quando Ele quiser.
Ao longo da Escritura, o Espírito se manifestou de diversas formas. As vezes, de modo visível e palpável, como nesse texto, mas em outros momentos, de forma subjetiva. Um cristão maduro não está focado no modo como Deus se manifesta, mas no desejo ardente de que Ele opere, trazendo a conversão aos corações.
E todos foram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar noutras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia que falassem. E em Jerusalém estavam habitando judeus, homens religiosos, de todas as nações que estão debaixo do céu. E, quando aquele som ocorreu, ajuntou-se uma multidão, e estava confusa, porque cada um os ouvia falar na sua própria língua. Atos 2:4-6
Quando os discípulos foram cheios do Espírito pela primeira vez, o texto afirma que eles falaram em outras línguas. Claramente, não era uma evidência da experiência, mas a forma pela qual o Espírito agiu para comunicar o evangelho naquele momento: havia uma quantidade imensa de nacionalidades em Jerusalém e Deus anunciou o evangelho na língua pátria de todos eles.
Nem sempre as línguas espirituais são línguas nacionais, mas nesse caso claramente eram.
Em Atos 2, os discípulos falaram em outras línguas para alcançar as pessoas com o evangelho. O conhecimento que eles adquiriram de Cristo sobre o Espírito (At 1.8) virou uma experiência real para cada um deles.
O objetivo desse sopro glorioso não era evidenciar línguas incompreensíveis, mas destacar a grandeza do nosso Deus à todas as nações. Leia o versículo 11 com calma e reflita.
Cretenses e árabes, todos nós temos ouvido em nossas próprias línguas falar das grandezas de Deus. Atos 2:11
Qual é a grandeza de Deus falada por aqueles discípulos?
É o evangelho!
O evangelho é a boa notícia de um Deus Santo que salva pecadores e os enche com o Espírito Santo!
O resultado desse movimento divino é reconhecido no próprio texto:
De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas, Atos 2:41
O Espírito não vem com poder para nos fazer dançar, rodar ou fazer esquisitices. Ele vem para levar pecadores ao arrependimento, dando à igreja as ferramentas espirituais necessárias para dar cabo da evangelização.
A evidência bíblica do mover do Espírito não está em manifestações, mas em conversões!
O evangelho proclamado com poder é a verdadeira evidência da vida cheia do Espírito.
Depois de orarem, tremeu o lugar em que estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito Santo e anunciavam corajosamente a palavra de Deus. Atos 4:31
Conclusão
Por muitos anos de minha vida li esse texto com as lentes que recebi do movimento pentecostal e vibrei de alegria pelo fato de 120 discípulos terem, aparentemente, falado em outras línguas quando o Espírito foi derramado.
Hoje, pela ótica da Escritura, tenho algo mais importante para comemorar: pelo poder do Espírito, três mil almas foram resgatadas do pecado quando o evangelho foi proclamado com poder no Dia de Pentecostes.
Línguas estranhas não são a mensagem de Atos 2.
Pedro, quando levantou sua voz à multidão, anunciou o que estava acontecendo, começando na profecia de Joel mas culminando sua poderosa proclamação no Cristo invencível!
Deus ressuscitou a este Jesus, do que todos nós somos testemunhas. De sorte que, exaltado pela destra de Deus, e tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vós agora vedes e ouvis. Atos 2:32,33
Saiba pois com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo. Atos 2:36
Pentecostais reformados, como nós, não estão preocupados com uma evidência inicial, mas com a presença perene e permanente do Espírito nos capacitando para anunciarmos o Cristo Invencível a todas as nações!
Essa é a vida cheia do Espírito que desejamos e que biblicamente reconhecemos!
A você, que nos visita, a mensagem pentecostal que anunciamos é essa: o Deus Todo Poderoso enviou Seu Filho Jesus Cristo para perdoar os pecados de todos aqueles que Ele soberanamente escolheu para salvação. Ele sofreu na cruz a ira divina por estes pecadores, morreu por eles, mas Deus o ressuscitou, fazendo dEle é o único caminho de salvação.
Por isso, como povo de Deus proclamamos a todos que se arrependam e creiam em Jesus Cristo para perdão dos pecados!
E disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo; Atos 2:38
A nós, que compomos a aliança de irmãos dessa igreja local, quero renovar a nossa percepção daquilo que entendemos ser a nossa vocação.
O pentecostalismo reformado é o encontro de Beréia com Jerusalém. Queremos examinar as Escrituras para conhecermos sua mensagem e reformarmos nossas crenças (At 17.11), mas sem deixarmos de subir ao cenáculo para orarmos e sermos cheios do Espírito (At 1.14).
Nós somos pentecostais? Sim! Mas não qualquer tipo de pentecostais. Somos pentecostais que estão reformando sua fé nas verdades das Escrituras, aprendendo com a história da igreja, com os credos e confissões e orando incessantemente: aviva, oh Senhor a tua obra!
Ouvi, Senhor, a tua palavra, e temi; aviva, ó Senhor, a tua obra no meio dos anos, no meio dos anos faze-a conhecida; na tua ira lembra-te da misericórdia. Habacuque 3:2
Pai, por favor, faça de novo! Nós queremos viver o avivamento!
Pastor Sérgio Fernandes
Pastor Titular da IPR
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