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Pentecostalismo Reformado e o Dom de Profecia - Sermão de 20/08/2023

Atualizado: 31 de ago. de 2023




Que dois ou três profetizem e os outros avaliem o que for dito. Se alguém estiver profetizando e outra pessoa receber uma revelação, quem está falando deve se calar. Desse modo, todos que profetizam terão sua vez de falar, um depois do outro, para que todos sejam instruídos e encorajados. Aqueles que profetizam têm controle de seu espírito e podem falar um por vez. Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz, como em todas as reuniões do povo santo. 1 Coríntios 14.29-33


Introdução


Certamente, todos nós que compomos o evangelicalismo brasileiro já tivemos a oportunidade de ouvir uma palavra de profecia em algum momento da vida.


Por ter vivido no movimento pentecostal por vinte e dois anos, eu colecionei dezenas de palavras, tidas como proféticas, que nortearam uma boa parte das minhas decisões e posicionamentos nos primeiros anos de minha fé.


Conforme fui lendo as Escrituras e adquirindo uma melhor compreensão dos seus temas e da nossa própria religião, comecei a perceber a incompatibilidade da forma como as profecias governavam a vida de algumas pessoas.


Assumindo o princípio do "Deus me falou", essas pessoas rachavam igrejas, rivalizavam com irmãos na fé, amedrontavam incautos, casavam seus familiares e se metiam na vida alheia "em nome de Deus", destruindo famílias e igrejas locais. Eu não via essas práticas na Bíblia Sagrada e sinceramente me questionava da autenticidade delas.


Eu testemunhei inúmeras profecias que, de fato, vinham do Espírito e que me colocaram de alguma forma na rota para o ministério que Deus havia planejado para minha vida, mas ouvi muitas "profetadas" também. A maior parte, na verdade, foram profetadas.


Essa talvez seja a mensagem mais sensível da nossa série "Pentecostalismo Relevante". Tenho consciência de que poderei quebrar algumas expectativas, mas sei também que esse ensino pode nos ajudar a entender com mais clareza a respeito do dom da profecia à luz dos escritos do Novo Testamento.


O meu desejo é que, após essa reflexão, a nossa percepção sobre o assunto cresça e que possamos exercer esse dom de modo bíblico, honroso e santo para o Nosso Deus.






A profecia na história da redenção


No Antigo Testamento, haviam homens divinamente ordenados para esse ministério, que eram chamados de profetas, cujo papel era trazer a luz as palavras de Deus. Por isso, eles podiam dizer "Assim Diz o Senhor" e as suas palavras eram exatamente as palavras de Deus. O trabalho incansável desses homens trouxe a nós uma boa parte daquilo que reconhecemos hoje como sendo o Antigo Testamento.


Assim diz o SENHOR, meu Deus: Apascenta as ovelhas destinadas para a matança. Zc 11.4

No Novo Testamento, com a presença de Deus, o Filho, conosco, uma nova classe de homens foi designada para partilhar a palavra divina.


E eles não foram chamados de profetas, mas de 'apóstolos'.


Eles foram designados para comunicar "a palavra de Deus" às nações, chamando-as ao arrependimento e lhes entregando a porção final das Escrituras, que hoje reconhecemos como sendo o Novo Testamento.


edificados sobre o fundamento dos apóstolos e profetas, sendo ele mesmo, Cristo Jesus, a pedra angular; Efésios 2.20

Em nenhum momento do NT um apóstolo é chamado de 'profeta', nem mesmo quando eles precisam reforçar a autoridade que possuem. Isso parece sugerir que na Nova Aliança, as palavras 'profetas' e 'profecia' tenham adquirido um outro significado.


Talvez seja por isso que em nenhuma passagem do NT alguém com o dom de profecia tenha usado a expressão "Assim Diz o Senhor".



A PROFECIA NO NOVO TESTAMENTO


Citando Wayne Gruden, "embora várias definições tenham sido dadas sobre o dom de profecia, um estudo renovado do ensino do Novo Testamento sobre esse dom demonstrará que ele não deve ser definido como 'prever o futuro', mas como 'dizer algo que Deus despertou de forma espontânea na mente'.


Como vimos anteriormente, quando Jesus nomeou seus discípulos mais próximos de apóstolos, ele tinha a intenção de reforçar que a palavra de Deus agora seria transmitida por eles.


Jesus subiu um monte, chamou os que ele quis, e eles foram para perto dele. Então escolheu doze homens para ficarem com ele e serem enviados para anunciar o evangelho. A esses doze ele chamou de apóstolos. Marcos 3.13,14

Além disso, há uma boa razão para crermos que a palavra 'profetas' e 'profetizar' tenha adquirido um novo sentido nos tempos de Jesus. Por exemplo:


  • Paulo chama um poeta cretense de profeta em Tt 1.12.

  • Os soldados que batiam em Jesus pediram que ele profetizasse quem lhe teria batido.

  • O próprio Jesus, ao revelar conhecimento a respeito dos inúmeros casamentos da mulher samaritana foi chamado por ela de 'profeta'.


Foi mesmo, dentre eles, um seu profeta, que disse: Cretenses, sempre mentirosos, feras terríveis, ventres preguiçosos. Tt 1.12

Os que detinham Jesus zombavam dele, davam-lhe pancadas e, vendando-lhe os olhos, diziam: Profetiza-nos: quem é que te bateu? Lc 22.63,64

Senhor, disse-lhe a mulher, vejo que tu és profeta. João 4.19

Em nenhum desses casos o termo parece se referir a uma palavra com autoridade divina absoluta, mas como alguém que fala espontâneamente sobre uma influência externa, seja discernindo os fatos ou revelando coisas aparentemente ocultas.


Por isso, quando o Novo Testamento chama cristãos de 'profetas', ele não está designando pessoas que falam "da parte de Deus de maneira inerrante e infalível", mas sinalizando que há no corpo de Cristo aqueles que espontaneamente comunicam palavras que lhe foram despertadas no coração e na mente pelo Espírito.


Por isso, tais palavras ditas por meio do dom da profecia, diferente das Escrituras, não possuem autoridade de serem "a palavra de Deus".


O DOM DE PROFECIA NÃO É A PREGAÇÃO DO EVANGELHO


É comum nos círculos cessacionistas associar o dom de profecia com o pregação do evangelho, afirmando que o sermão pregado cumpre o papel de profecia para a congregação, mas essa é uma perspectiva pobre que não parece se encaixar nos ensinamentos de Paulo. Há uma clara distinção entre a pregação e o dom de profecia em seus ensinos no Novo Testamento. Vejamos alguns exemplos:


E agora, irmãos, se eu for ter convosco falando em línguas, de que vos aproveitarei, se vos não falar ou por meio de revelação, ou de ciência, ou de profecia, ou de doutrina? 1 Coríntios 14.6

Que fazer, pois, irmãos? Quando vos congregais, cada um de vós tem salmo, tem doutrina, tem revelação, tem língua, tem interpretação. Faça-se tudo para edificação. 1 Coríntios 14.26

Pregue a palavra, esteja preparado a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija, exorte com toda a paciência e doutrina. 2 Timóteo 4.2



O dom de profecia não tem a mesma autoridade da Escritura


É profundamente necessário identificarmos que, à luz do Novo Testamento, as profecias que aconteciam nas comunidaes cristãs eram tratadas como palavras de homens, e não palavras de Deus. Eu sei o quanto isso pode parecer chocante, mas vejamos o texto bíblico com honestidade e cautela.


Paulo e sua comitiva receberam uma palavra inspirada e ele não obedeceu a instrução dada por ela.

Naquela cidade encontramos alguns cristãos e ficamos com eles uma semana. Então, avisados pelo Espírito Santo, eles disseram a Paulo que não fosse para Jerusalém. Mas, quando chegou o dia de irmos embora, nós continuamos a nossa viagem. Aí aqueles irmãos, com as esposas e filhos, nos acompanharam até fora da cidade; e todos nós nos ajoelhamos ali na praia e oramos. Depois de nos despedirmos, embarcamos no navio, e eles voltaram para casa. Atos 21.4-6

Ágabo profetizou a prisão de paulo, mas errou parcialmente a sua previsão

Ele chegou perto de nós, pegou o cinto de Paulo, amarrou os próprios pés e as próprias mãos e disse: — O Espírito Santo diz isto: em Jerusalém o dono deste cinto será amarrado assim pelos judeus e será entregue nas mãos dos não judeus. Atos 21.11

Não há dúvida de que Ágabo era um profeta cristão e que as palavras ditas por ele se encaixam no perfil de profecia congregacional, que é uma inspiração espontânea imperfeita e que deve ser ouvida e julgada pelos seus ouvintes. Mas aquilo que ele previu aconteceu parcialmente.


Quando a multidão já ia matar Paulo, o comandante das tropas romanas recebeu a notícia de que toda a cidade de Jerusalém estava em revolta. Então reuniu depressa alguns oficiais e soldados e correu para o meio do povo. Quando a multidão viu o comandante e os soldados, parou logo de bater em Paulo. Aí o comandante chegou perto de Paulo, prendeu-o e mandou amarrá-lo com duas correntes. Atos 21.31-33

Ágabo deveria ser desmerecido por ter errado parcialmente sua previsão? Não, afinal, o próprio Paulo afirmou:


(...) porque, em parte, conhecemos e, em parte, profetizamos. 1 Co 13.9

Paulo RECOMENDA À IGREJA OUVIR E JULGAR AS PROFECIAS, SEPARANDO O QUE É BOM DO QUE É RUIM. ELE JAMAIS FALARIA ISSO SE AS PALAVRAS DE UMA PROFECIA FOSSEM PALAVRAS DE DEUS

Não desprezeis as profecias; julgai todas as coisas, retende o que é bom; abstende-vos de toda forma de mal. 1 Ts 5.20-22


Perceba que Paulo orienta a igreja a ouvir a profecia e após fazer isso, julgar seu conteúdo, separando dela o que é bom do que é mau.


Essa mesma forma de orientação acontece em 1 Co 14, onde Paulo recomenda que as profecias sejam faladas a todos, para que toda a comunidade possa julgar o teor da mensagem e validá-la (ou não) perante os irmãos.


Isso acontece porque, no NT, profecia é palavra de homem e não de Deus.


Tratando-se de profetas, falem apenas dois ou três, e os outros julguem. 1 Co 14.29

Contudo, quando Paulo retoma o assunto para falar de sua autoridade apostólica, ele não admite que suas instruções sejam julgadas, porque na condição de apóstolo, ele fala "as próprias palavras de Deus".


Dessa forma, Paulo distingue com clareza a palavra de Deus (contida unicamente nas Escrituras) da profecia (que são palavras de homens inspiradas pelo Espírito de Deus e que, por isso, não tem autoridade diretiva sobre a igreja).


Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo. E, se alguém o ignorar, será ignorado. 1 Co 14.37,38

Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, 2 Tm 3.16


Maturidade no exercício do dom de profecia na vida comunitária da igreja


Uma vez que nós obtivemos um panorama daquilo que é o dom da profecia ao longo do Novo Testamento, podemos trazer aos irmãos uma série de aplicações que serão muito úteis para não cairmos nos erros grosseiros presentes, principalmente, no neopentecostalismo atual.


  1. Se você recebeu uma palavra de profecia e isso tem, de alguma forma, dirigido sua vida e suas decisões normativamente, renuncie essa conduta e peça perdão ao Espírito por ter colocado uma palavra de homem acima da Palavra de Deus. A maior parte dos evangélicos brasileiros que 'consomem profecias' aguardam ansiosamente o cumprimento de coisas que não foram faladas por Deus e que nunca acontecerão. Por conta disso, há entre eles frieza, delírios e estagnação espiritual. Precisamos urgentemente voltar as Escrituras e dirigirmos nossas vidas somente por ela. Respondeu-lhes Jesus: Errais, não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Mt 22.39

  2. Irmãos que vieram de igrejas pentecostais e neopentecostais e que se julgam 'profetas do Senhor' precisam reconhecer, à luz da Escritura, os claros ensinamentos sobre esse dom e abandonarem os abusos preditivos que fazem. Parem de tentar espiritualizar relacionamentos amorosos, previsão sobre sexo dos bebês, a causa de doenças e tribulações, o chamado de Deus na vida de pessoas e outras coisas que forcem os ouvintes a agirem de acordo com a palavra do profeta. Isso não é profecia, é coerção religiosa. A finalidade da profecia é consolar, advertir e instruir, nunca dirigir a vida de pessoas. Mas o que profetiza fala aos homens, edificando, exortando e consolando. 1 Co 14.3

  3. É profundamente necessário que aqueles que profetizam abandonem o vício de falar em nome de Deus durante a profecia. Essa prática não tem respaldo no NT e dificulta construirmos pontes com outras tradições que pensam que consideramos o dom de profecia como "palavra de Deus" Ao longo dos meus anos no pentecostalismo, eu vivi experiências com o dom de profecia e falei palavras a pessoas dessa forma, mas nos últimos anos tenho recorrentemente pedido perdão a Deus por ter feito isso e tenho optado por exercer o dom o reconhecendo como ele é: uma palavra de homem. Então ao invés de "assim diz o Senhor", fale espontaneamente com a pessoa a qual deseja ministrar: "irmão, tive um sentimento e gostaria de compartilhá-lo com você". E aceite de bom grado se a pessoa não receber a palavra, afinal, a sua palavra é 'palavra de homem' e cada cristão tem a liberdade dada por Deus de 'julgar a profecia e reter o que é bom'.

  4. A profecia não precisa estar envolvida com esquisitices, como danças e sapateados. Isso empobrece a experiência e a torna estranha e estereotipada. Se sentir-se movido a falar algo para alguém, ou mesmo para a igreja, fale de modo humilde, compreensivo e sem agitação emocional. Não tente validar sua autoridade dessa forma e aceite que a sua inspiração sempre é uma palavra incompleta. Lembre-se: "em parte conhecemos e em parte profetizamos".

  5. Ao adquirirmos maturidade para reconhecer a profecia congregacional do NT como 'palavra de homem', sempre incompleta e sempre passível de julgamento e discernimento, sejamos humildes e mansos com irmãos que sentem-se movidos a nos falar sobre coisas que vieram ao seu coração. Escute com paciência, discirna e guarde aquilo que lhe cabe, deixando de lado aquilo que não cabe. Se necessário for, oriente o irmão com amor quando ele continuamente estiver transmitindo sentimentos que não vieram do Espírito e valide quando as palavras que ouvir "fizerem sentido e promoverem edificação".

  6. A profecia congregacional acontece em um contexto de ordem e decência na comunhão dos santos. Por isso, não atrapalhe o momento de cantar, ler a Bíblia, orar pelos pedidos ou a pregação com profecias. Tudo no culto deve ser feito para edificação e o próprio Espírito franqueará a oportunidade para que essas palavras que ele comunica ao nosso coração sejam compartilhadas com o Seu povo.

  7. Por fim, reconheço com humildade que muitos de nós ouvimos palavras faladas por pessoas "em nome de Deus" que se cumpriram de alguma forma ou de outra. Em casos como esse, devemos com cautela nos recordarmos do seguinte: - Um relógio quebrado pode marcar a hora certa duas vezes ao dia. O fato de algo ter dado certo ou acontecido não necessariamente chancela a aprovação de Deus naquilo. Permaneça na Escritura. - Experiências nunca são a regra da Igreja de Cristo. Permaneçamos sim na vivência carismática sem nunca nos esquecermos do princípio do sola scriptura. - Como "em parte conhecemos e em parte profetizamos", pessoas podem ter falado pelo Espírito, mesmo de uma forma não apropriada a luz do NT. Nesse caso, sigamos o próprio NT: "julguemos todas as coisas, retendo o bem e se apartando de toda forma de mal".

Conclusão


Uma igreja bíblica e carismática, sensível ao Espírito, se torna um instrumento poderoso na comunicação do evangelho; Paulo reconhecia isso muito bem e deixa, escrevendo um vislumbre aos coríntios, o que acontece quando, de fato, a profecia congregacional acontece de modo bíblico e ordeiro:


Mas, se todos vocês estiverem profetizando e descrentes ou pessoas que não entendem essas coisas entrarem na reunião, serão convencidos do pecado e julgados por aquilo que vocês disserem. Ao ouvirem, os pensamentos secretos deles serão revelados, e eles cairão de joelhos e adorarão a Deus, declarando: "De fato, Deus está aqui no meio de vocês". 1 Coríntios 14:24,25

Perceba que a profecia congregacional é repleta do evangelho: ela leva seus ouvintes à cruz para que sejam convencidos dos seus pecados e creiam no Santo Filho de Deus.


Num tempo onde 'profetas' prometem dinheiro, honra, milagres e a derrocada dos nossos inimigos, busquemos sinceramente ao Senhor para que as manifestações da profecia congregacional levem nossos ouvintes ao arrependimento de pecados e a fé em Jesus.


Eu creio na realidade de uma igreja bíblica e carismática!


Que Deus nos ajude a vivermos essa dimensão para a glória de Deus!



Pastor Sérgio Fernandes

Pastor Titular da IPR

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