Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também glorificou. Romanos 8:28-30
Introdução
Essa é a terceira mensagem da série "O Evangelho da Graça". Você pode conferir as anteriores nos links abaixo:
Quando tratamos a respeito do evangelho da graça, é muito difícil não dedicarmos um tempo para refletirmos sobre a mecânica bíblica de salvação. Isso se torna urgente pelo fato de muitos de nossos irmãos serem oriundos de igrejas onde tais doutrinas bíblicas não tinham tanta importância e, agora que fazem parte de nossa comunidade, começam a se deparar com palavras e terminologias que não compunham seu vocabulário religioso.
Essa expressão "mecânica bíblica de salvação" não é comum entre todos os teólogos. Alguns a chamam de "Ordo Salutis" ou "Ordem da Salvação". Ela, por si só, não compõe o que nós cristãos chamamos de "o evangelho", mas a compreensão de tais doutrinas lança luz para entendermos melhor o que a boa notícia de salvação significa.
Meu objetivo nessa manhã é fazer essa "viagem" com vocês trabalhando três eixos na exposição bíblica: São eles:
Definir as duas principais escolas de interpretação sobre a mecânica bíblica de salvação;
Apresentar brevemente a posição que cremos, pregamos e defendemos;
Proclamar, à luz das Escrituras, um caminho de conciliação para que a igreja experimente a unidade da fé que o evangelho se propõe a nos anunciar.
Espero na graça de Cristo que o Espírito nos ajude a assimilarmos aquilo que Ele deseja nos ensinar pela Sua Palavra.
Monergismo e sinergismo
Para muitos irmãos recém chegados na fé reformada, existe uma percepção de que existem somente duas possibilidades de interpretação bíblica à respeito da mecânica de salvação, o que gera um antagonismo entre aqueles que entendem o calvinismo como a melhor expressão da doutrina da salvação (que é a nossa posição) com aqueles que acreditam ser o arminianismo uma melhor solução.
Contudo, há diversas outras percepções sobre esse tema nas diversas tradições do cristianismo: católicos, ortodoxos, luteranos, metodistas, menonitas, anglicanos e outros grupos de menor influência no cenário cristão possuem diferentes percepções sobre isso.
Por isso, reduzir a mecânica bíblica de salvação a uma disputa entre calvinistas e arminianos é um reducionismo bastante infeliz.
Por isso, acredito que seja mais importante dividir todos esses grupos em duas posições apenas. Porque, no final das contas, só existem duas!
São as posições monergistas e sinergistas.
O monergismo é a compreensão de que a salvação é uma obra de Deus do começo ao fim. Monergistas entendem que o Espírito Santo primeiro regenera o pecador para então capacitá-lo a responder com fé o chamado do evangelho. O monergismo foi a posição de boa parte dos reformadores da igreja. Como exemplo de monergistas, temos Agostinho de Hipona, Martinho Lutero, João Calvino, Charles Spurgeon, George Whitefield, Jonathan Edwards e mais recentemente podemos citar homens como John Piper, Paul Washer, Paulo Júnior, Augustus Nicodemus e Hernandes Dias Lopes.
O sinergismo é a compreensão de que a salvação é uma cooperação entre Deus e o Homem. Deus deseja salvar, mas não pode se o homem não quiser ser salvo. Para sinergistas, é o arrependimento pessoal e a fé que produzem o novo nascimento. A posição sinergista é visão mais adotada pelos cristãos, sendo abraçada por católicos, ortodoxos, metodistas e pentecostais. Entre nomes de sinergistas ilustres, temos John Wesley, Charles Finney, Dwight Moody, Billy Graham e mais recentemente podemos citar nomes no Brasil como os de Sezar Cavalcante e Luciano Subirá.
A posição da Igreja Pentecostal Reformada é a monergista.
Entendemos, à luz das Escrituras, que a salvação é uma obra de Deus do começo ao fim
Mas eu, com um cântico de gratidão, oferecerei sacrifício a ti. O que eu prometi cumprirei totalmente. A salvação vem do Senhor". Jonas 2:9
Entendemos que essa salvação é uma obra do Deus Trino, onde o Pai elege homens e mulheres para salvação, o Filho conquista a salvação destes na cruz e o Espírito os revive para viverem como novas criaturas em Sua presença.
Porque Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença. Efésios 1:4
e eles cantavam um cântico novo: "Tu és digno de receber o livro e de abrir os seus selos, pois foste morto, e com teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, língua, povo e nação. Apocalipse 5:9
Mas eu lhes afirmo que é para o bem de vocês que eu vou. Se eu não for, o Conselheiro não virá para vocês; mas se eu for, eu o enviarei. Quando ele vier, convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo. João 16:7,8
monergismo e as doutrinas da graça de deus
A percepção da doutrina da salvação pela visão monergista é sintetizada naquilo que nós reformados chamamos de "as doutrinas da graça". Essas cinco doutrinas compõe o núcleo de nosso entendimento sobre a forma pela qual Deus salva pecadores do seu estado de condenação.
Você pode assistir uma série inteira de reflexões sobre as doutrinas da graça clicando aqui.
A depravação total
Nós, cristãos reformados, reconhecemos à luz das Escrituras que o salário do pecado é a morte espiritual (Rm 6.23a). Entendemos que o homem, no seu estado de condenação, é escravo do pecado (Jo 8.34), filho do diabo (1 Jo 3.8), obscurecido em seu entendimento (Ef 4.18) e incapaz de se voltar para Deus e adorá-lo. Essa é a primeira doutrina da graça, a qual chamamos de depravação total, ou total inabilidade.
A depravação total não signfica que o homem sem Deus não possa fazer coisas boas, mas que todas as suas obras estão contaminadas pelo pecado, o que o coloca em oposição contra a santidade de Deus. Nesse estado, ele não agrada a Deus, não pode buscá-lo e necessita ser alcançado pela graça para ser livre da escravidão espiritual.
“Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação; já não há quem faça o bem. Do céu olha o Senhor para os filhos dos homens, para ver se há quem entenda, se há quem busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se corromperam; não há quem faça o bem, não há nem um sequer.” Salmo 14.1-3
“Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como também os demais.” Efésios 2.1-3
A ELEIÇÃO INCONDICIONAL
Nós, cristãos reformados, reconhecemos à luz das Escrituras que, na eternidade pretérita, Deus escolheu uma multidão desses pecadores mortos em delitos e pecados para receberem a graça da salvação e deixou os demais colherem os resultados de sua própria vida de pecados. Essa obra é resultado de uma decisão livre, graciosa e soberana de Deus, que decidiu mostrar misericórdia para aqueles a quem Ele escolheu e justiça para os demais. A eleição não é injusta, Ele é uma demonstração clara da justiça de Deus.
Ouvindo isso, os gentios alegraram-se e bendisseram a palavra do Senhor; e creram todos os que haviam sido designados para a vida eterna. Atos 13:48
“Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos.” 2 Timóteo 1.9
a expiação limitada
Nós, cristãos reformados, reconhecemos à luz das Escrituras que a morte de Cristo foi necessária para salvar da condenação esses que foram escolhidos para a salvação e que o seu sacrifício foi feito somente por eles. Nenhuma gota de sangue de Cristo foi derramada em vão. A cruz não tornou a salvação possível, ela tornou a salvação real. Cristo de fato morreu pelos pecadores eleitos e essa morte, de fato, irá salvá-los da condenação!
Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos". Marcos 10:45
“Porque isto é o meu sangue, o sangue da [nova] aliança, derramado em favor de muitos, para remissão de pecados.” Mateus 26.28
a GRAÇA IRRESISTÍVEL
Nós, cristãos reformados, reconhecemos à luz das Escrituras que o Espírito chama eficazmente os eleitos para que recebam a Cristo, aplicando sobre eles a redenção que há em Cristo. O Espírito os convencerá dos seus pecados e eles chegarão a fé. Deus vencerá a incredulidade dos seus corações e eles serão chamados para seguirem a Cristo!
“Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.” Atos 16.14
“Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios, sem detença, não consultei carne e sangue.” Gálatas 1.15-16
a perseverança dos santos
Nós, cristãos reformados, reconhecemos à luz das Escrituras todos os eleitos de Deus perseverarão na fé. Nenhum dos escolhidos do Pai se perderá. Nenhum daqueles pelos quais o Filho morreu perecerá. Nenhum dos que foram ou forem regenerados pelo Espírito cairá da graça. Todos quantos receberam ou receberem a graça salvadora de Deus serão conduzidos para a glória, protegidos e preservados para sempre.
“Farei com eles aliança eterna, segundo a qual não deixarei de lhes fazer o bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim.” Jeremias 32.40
“Mas vós não credes, porque não sois das minhas ovelhas. As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão. Aquilo que meu Pai me deu é maior do que tudo; e da mão do Pai ninguém pode arrebatar.” João 10.26-29
Essas cinco doutrinas sintetizam a nossa percepção do que é a mecânica da salvação. Mas elas também servem como um norteador da forma como vivemos nesse mundo, afinal, o evangelho é mais do que doutrina, é vida. Veja comigo!
A depravação total me desafia e enxergar que como sou um pecador que foi perdoado e ainda assim batalho contra uma infinidade de pecados, não devo gastar meu tempo julgando os pecados dos meus irmãos. Quem entende a depravação total troca a arrogância pela simpatia. Troca a super religiosidade por uma espiritualidade humilde. Troca a soberba pela simplicidade. Estamos alinhados por baixo, não somos melhores do que ninguém.
A eleição incondicional me faz perceber que a minha chegada no Reino foi uma obra de Deus. Eu não o deejava, mas Ele me desejou e me atraiu. Não estou aqui pelos meus próprios méritos. Se Deus me amou incondicionalmente, preciso amar incondicionalmente as pessoas que Ele coloca em meu caminho. Preciso também enxergar meus irmãos na fé como eleitos, sendo eles imperfeitos como são e amá-los de todo o coração.
A expiação limitada me inspira a amar aquilo que Cristo amou e que o fez subir a cruz. Foi pela Igreja que Cristo entregou a sua vida. Eu devo me sentir profundamente tocado pela realidade de que foi por mim que ele sangrou e devo amar em verdade todos os demais que foram comprados pelo mesmo sangue. Assim como Jesus não tirou proveito de sua divindade, mas enfrentou a cruz para lavar os pecados do seu povo, eu devo abrir mão de privilégios e prazeres para dar a minha vida pela igreja do Senhor.
A graça irresistível me dá coragem para pregar o evangelho sem receio pelos resultados. Não são palavras bonitas que convencem o pecador. O Espírito faz essa obra quando pessoas simples como nós anunciam a boa notícia do evangelho. Percebam o que Deus tem feito nessa casa a qual pertencemos. Sem falsas promessas, os eleitos de Deus tem chegado, ouvido a Palavra e recebido o evangelho. Assim acontecerá quando, individualmente, cada um de nós se dedicar a proclamar a boa notícia da salvação.
A perseverança dos santos nos encoraja a desenvolvemos nossa santificação com temor e tremor, mas sem medo de condenação. Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem nos justifica. Todos nós que fomos lavados de nossos pecados por Cristo estamos agora desenvolvendo a nossa salvação. Alguns mais devagar, outros mais depressa, mas todos estamos caminhando na mesma estrada e entraremos no céu pelo mesmo sangue. Eu posso ter paciente com as fraquezas do meu irmão porque o Pai tem sido paciente com as minhas fraquezas. O mesmo Deus que persevera em mim, persevera também na vida do meu irmão.
A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei. Romanos 13:8
CONCLUSÃO
A compreensão da mecânica bíblica de salvação é importante para compreendermos melhor o evangelho de Jesus Cristo. Elas nos conservam humildes, centrados em Cristo e estimulam nossa adoração ao Deus que não mediu esforços em nos amar.
Mas ela não deve ser a vara pela qual medimos nossos irmãos.
Se eu meço um irmão na fé por ser monergista ou sinergista, eu estou pecando gravemente contra o espírito do evangelho de Jesus Cristo. O Salvador sabia que a Sua igreja seria revelada ao mundo em uma multiplicidade de tradições, pelo seu próprio caráter universal.
E a oração dEle foi para que, embora sejamos tão diferentes uns dos outros, tivéssemos verdadeira unidade espiritual.
Não ficarei mais no mundo, mas eles ainda estão no mundo, e eu vou para ti. Pai santo, protege-os em teu nome, o nome que me deste, para que sejam um, assim como somos um. João 17:11
Cristo não morreu na cruz para me tornar calvinista. Ele morreu para perdoar os meus pecados, me dar a vida eterna e fazer de mim um filho perdoado, que será unido a outros pelos quais Cristo morreu.
Eu não fui unido na redenção ao corpo do Pedro, Lutero, João Calvino, John Wesley ou a qualquer outro líder ilustre que Deus usou nessa terra. Eu fui unido ao Corpo de Cristo, que deu sua vida por mim na cruz do Calvário.
"Minha oração não é apenas por eles. Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. João 17:20,21
Eu necessito orar e clamar a Deus para não reerguer os muros que a cruz derrubou.
Ter as nossas convicções, o zelo pela doutrina, o cuidado para o cumprimento de nossa confissão de fé sempre devem existir. Eu espero sinceramente, na graça de Deus, que a Igreja Pentecostal Reformada persista em viver os princípios da reforma protestante e uma vida profundamente missional.
Mas fazer disso um muro para que eu não ame sinceramente meus irmãos de outras confissões cristãs, não, Deus não quer que sejamos assim e nem que façamos isso!
A glória de Deus se revela na unidade da Igreja.
Não importa o que aconteça, exerçam a sua cidadania de maneira digna do evangelho de Cristo, para que assim, quer eu vá e os veja, quer apenas ouça a seu respeito em minha ausência, fique eu sabendo que vocês permanecem firmes num só espírito, lutando unânimes pela fé evangélica (Fp 1:27).
Que Deus nos ajude a não sermos achados em falta nesse tema.
As doutrinas bíblicas devem nos orientar a respeito de Deus e desenvolver em nós uma fome profunda pela sua presença.
Se por causa de doutrinas bíblicas não essenciais eu fomento discussões inúteis que nos afastam de outros irmãos na fé, eu ainda não compreendi verdadeiramente a essência da religião cristã.
Que vivamos um evangelho de unidade, para a glória de Deus!
Pastor Sérgio Fernandes
Pastor Titular da IPR